domingo, 14 de outubro de 2007

Conversas fragmentadas no trem da Central do Brasil!

No último dia 09 de outubro de 2007, voltei do Méier de trem, e durante o percurso, de aproximadamente 20 minutos, pude ouvir, ainda que de forma indiscreta, um fragmento de conversa entre dois funcionários da Supervia, que pareciam muito desapontados com a qualidade dos serviços que o sistema de trens urbanos do Rio de Janeiro oferece à classe trabalhadora carioca. O que mais me chamou a atenção foi o teor altamente elaborado das informações que eles possuíam, e por isso desconfiei de que se tratava de dois altos funcionários da empresa, que poderiam estar em uma viagem de inspeção, no ramal de Deodoro. Como eles não sabiam quem eu era, nem eu sabia quem era qualquer um deles, pude ouvir tudo e até anotar alguns dados.
mulher: O Brasil é mesmo um mistério; mentalidades inxplicavelmente atrasadas, anacrônicas, gerenciam a coisa pública, e o pior de tudo é que ninguém questiona nada. Nem os governantes, os guardiões do negócio, eleitos para isso, nem o povo, que seria o maior beneficiário disso tudo. Será que algum dia alguém vai querer tomar satisfações? O que você acha?! homem: Por que você tá dizendo isso? mulher: Porque apesar das dimensões geograficamente grandiosas, continentais, como dizem, por aí, tudo aqui é pequeno, diminuto, provinciano mesmo, no que diz respeito às ações e iniciativas dos governantes. homem: Ah! isso aí é verdade, sim! mulher: É a forma de pensar é que é pequena, reduzida aos interesses imediatos, de poucos. homem: Mas isso sempre foi assim; já começou tudo errado. Culpa da História que está cheia de covardes. De uma gente que se vende por muito pouco! mulher: Então, tá na hora de mudar, você não acha? homem: Acho sim! Só não faço idéia de por onde começar. Nem eu nem ninguém. mulher: Olha só que coisa! Olha só esse trem aqui! Será que ninguém ainda se deu conta de que a classe trabalhadora não pode ser transportada em trens tão degradados quanto esses aqui? Será que quem fez as privatizações não se deu conta que vender ferrovia pra banqueiro não seria bom pro povo? Essa gente de banco só pensa em lucro rápido e fácil; eles não investem em produção, gostam mesmo é de vender e comprar papel. homem: Mas não fala essas coisas todas pra ninguém aqui. Finge que você é boba, que não sabe de nada. Senão, você já viu. Não vai nem esquentar o banco! Você sabe, nem a mãe, nem os filhos, nem a esposa ou mesmo a amante desse povo de cima utiliza os trens para ir ou voltar de casa. Essa gente anda de carro blindado, de navio de luxo ou de avião. Não recorre a essa merda para ir e vir de lugar nenhum. No Brasil, isso é pra pobre, fu...! mulher: Os diretores nunca vêm aqui, não? homem: Fazer o quê? Tá ficando maluca? mulher: Sei lá! Poderiam vir apenas para observar como o negócio está sendo administrado. É interesse deles também. homem: O que é de interesse deles já tá garantido com os recursos do governo. A forma como a classe trabalhadora, esse bando de derrotado, vai e volta pra casa... ah... isso não interessa, não! Eles que se virem!!! Que se f.....! mulher: Esses trens todos são da década de 1950 e 1960. Isso tudo tem quase 50 anos. Será que essa gente não tem vergonha de tudo isso? homem: Vergonha de quê, menina? Para eles terem vergonha seria preciso que tivessem alma! E isso eu posso garantir que eles não têm. Posso jurar que não têm! mulher: É muito chato fazer parte dessa História sempre triste que é a nossa! Olha só a cara desse povo voltando pra casa. Tudo cansado, com jeito de derrotado, nesse trem feio, escuro e velho, administrado e controlado por uma gente feia e mais obscura ainda. homem: Mas fica na sua! Aqui é tudo igual sempre. E quem gosta de mudança, logo logo é convidado pra mudar de emprego. E fica tranquila porque pra ocupar a sua vaga eles têm mais de cem candidatos, ganhando a metade do que você ganha. Então, fica na sua e vamos à luta. mulher: Tá legal! Vamos lá! (cabeça baixo e pensativa!). homem: Mais uma coisinha! A alma de nosso povo também precisa passar por uma profunda inspeção também! Você sabia que no dia do acidente no qual 8 pessoas moreram, houve saques e dois estupros. mulher: Deus meu! Vamos logo, já chegamos. Vamo! A verdade é que para que a mesquinharia e a desumanidade prevaleça é preciso que haja um acordo espúrio entre as duas partes. Se não isso tudo não seria possível. Só brota porque encontra terreno fértil. homem: Para de pensar, mulher, é melhor pra você. Vamo. Mesmo depois que o trem chegou na estação, desci e fiquei sentada pensando em toda aquela insperada conversa, que se deu em uma viagem de trem até a Central do Brasil.